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Ser albina no Brasil: invisibilidade, preconceito e a luta por sobrevivência

Como professora doutora em Educação, mãe e esposa, relato como é viver com albinismo, condição que altera ou inibe a produção de melanina

Leitura: 7 Minutos
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Pessoa com albinismo, condição genética que altera ou inibe a produção de melanina. Foto: Canva
Pessoa com albinismo, condição genética que altera ou inibe a produção de melanina. Foto: Canva

*Artigo escrito por Thalyta Botelho Monteiro, doutora e mestre em Educação, professora do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), campus Ibatiba

Como falar de algo que você é? Mas, ao mesmo tempo, como falar de algo que a maior parte das pessoas não sabe o que é? Este preambulo, mostra o quanto é difícil ser albina em uma sociedade que pouco conhece nossas necessidades.

É deste lugar que falo: mulher albina, mãe, esposa… Doutora! Doutora em Educação, mas também em superações. Ser uma doutora em superações, neste caso, não é mérito! Não mesmo!

O albinismo é uma condição genética que altera ou inibe a produção de melanina. Para
que isso ocorra, é necessária a informação genética do pai e da mãe. Uma criança albina
pode ser filha de pais com produção normal de melanina ou de pais albinos.

Isso significa que:

  • 1. No caso de pais com pigmentação normal, estes precisam ter em seus genes a informação do albinismo.
  • 2. Em caso de pais albinos, ambos sendo genes recessivos, a criança nascerá com a condição genética caso o tipo de albinismo dos progenitores seja o mesmo.

Albinismo é condição rara e atinge 21 mil no Brasil

O albinismo é uma condição rara que acomete certa de 21 mil pessoas no Brasil. Este dado é algo ainda aberto, visto que ainda não temos políticas públicas fundamentais para este grupo e nem um senso que esteja vinculado aos setores oficiais da saúde.

Esta estimativa leva em consideração um percentual de albinos no mundo, a partir de fontes de países europeus. Ou seja, temos cerca de 1 albino para cada 20 mil habitantes,
considerando o número de pessoas no mundo.

Esta condição genética faz com que a pele e olhos não tenham melanina, o chamado
oculocultâneo.

A pele possui um branco rosado e os olhos podem ser cinzas com variações de azul e verde ou vermelhos. Outro tipo de albinismo é o ocular, o que só acomete os olhos.

Tal disfunção genética, que provoca a falta de melanina, seja na pele ou olhos, faz com que a pessoa com albinismo não tenha proteção contra os raios UV, não podendo ficar exposta ao sol.

A pele fica sem proteção, ou seja, quanto mais melanina tem a pessoa —mais cor tem a pele — mais proteção em contato com o sol. Neste sentido, sem melanina, o contato com o sol gera queimaduras na área exposta.

São queimaduras muito semelhantes às de fogo. A depender do grau, a pele fica avermelhada podendo gerar bolhas e feridas. Além de ser dolorido, a recorrência pode ocasionar câncer de pele.

Protetor solar não é mero cosmético, para o albino ele é “remédio”. Roupa com fatoração
solar é “armadura” e óculos de sol é “visão além do alcance” sem alcance.

Existem cerca de 19 tipos de genes de albinismo, no entanto, conhecemos com maior profundidade dois tipos como citamos acima.

O oculocultâneo ou ocular são afetados pela ausência de melanina que gera proteção na mácula, onde é formado os detalhes e cores.

É comum que albinos tenham baixa visão, o que os colocam como pessoas com deficiência, pois enxergam menos que 30% do potencial visual de uma pessoa sem albinismo.

O uso dos óculos não faz com que enxergue melhor, mas gera um conforto visual, seja por óculos de sol, que diminuem a luminosidade por causa da fotofobia, ou por deixar a imagem mais nítida — como se fosse um parabrisa de carro: não se tem uma ampliação da imagem, a nitidez apenas melhora, ao limpar o vidro.

Baixa visão requer acompanhamento adequado

Você deve estar se perguntando: como uma pessoa albina enxerga? Não sabemos! Ela nunca enxergou as coisas como uma pessoa com visual normal ou com correção. Pessoas albinas nascem com baixa visão e caso não tenham um acompanhamento adequado — não existe tratamento — pode levar a cegueira.

As idas ao oftalmologista e dermatologista são necessárias para toda sociedade, mas para albinos é uma questão de sobrevivência. Ambos precisam compor visitas periódicas, com intervalos de seis em seis meses.

Mas esta não é uma realidade e sim uma expectativa. A maioria não tem condições financeiras e os sistemas de saúde pública não abarcam essa necessidade.

Enquanto mulher albina, nascida em região periférica com meu doutorado em superações, espero que a novíssima Lei Federal nº 15.140/2025, que estabelece a Política Nacional de Proteção às Pessoas com Albinismo, traga maior dignidade aos meus pares.

Que a sala de aula tenha menos iluminação, que a disciplina de educação física seja realizada no início da manhã ou final da tarde, mesmo que o espaço seja coberto, que tenhamos materiais com fontes ampliadas, que tenhamos o aos protetores solares ou pelo menos desconto na compra destes produtos (os óculos de sol ou de correção, possuem lentes especiais e de alto custo, sem contar as roupas de fatoração UV).

Ser albino não é difícil! Difícil é o preconceito

Ser albino não é difícil! Difícil é o preconceito e a falta de condições que carregamos com nossa condição genética.

Difícil é estar em um país tropical e termos que nos isolar por vulnerabilidade financeira que não permite adquirir nossos “remédios e armaduras” para enfrentar o cotidiano que para muitos é comum, como ir à praça, praia, andar de bicicleta ou ir trabalhar.

Essa rotina comum à sociedade é uma luta diária para nós, albinos.

Por vezes, em filmes como “As Bem Armadas”, “Matrix”, “Powder”, “Código Da Vinci” fomos comparados a seres do mal, violentos, estereotipados, exotéricos, nos melhores casos, não vistos como albinos e sim como descendentes de alemães, pomeranos, italianos, irlandeses… Fomos invisibilizados!

Thalyta Botelho Monteiro professora do Ifes albina albinismo
Thalyta Botelho Monteiro é professora do Ifes. Foto: Arquivo pessoal

Desde 2015, o 13 de junho foi instaurado pela ONU como o Dia Internacional de Conscientização sobre o Albinismo e queremos ser vistos como sujeitos de direito e como
cidadãos. Hoje, 10 anos depois, queremos dar voz às nossas conquistas.

Enfrentamos medo do julgamento e a falta de informação

Enfrentamos mais que nossa condição genética. Enfrentamos medo do julgamento e a falta de informação. Que a educação seja realmente inclusiva e que tenhamos saúde visual, dermatológica e também psicológica para prosseguir.

Que o doutorado não seja em superações, pois não é mérito ter que superar as adversidades sociais, econômicas e culturais, que o doutorado seja naquilo que a gente quiser ser, com dignidade e qualidade.